A reconstrução e consagração do "gaúcho", e os vários gaúchos
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Estátua do Laçador, o símbolo da capital do estado.
Há que se tratar com especial interesse a reabilitação da figura do gaúcho, um dos mais fortes símbolos da identidade estadual - lembre-se que o termo "gaúcho", para o resto do Brasil, consagrou-se como sinônimo de sulriograndense. Entre o fim dos anos 40 e o início dos 50 se iniciara uma fase de novo interesse pelo passado, em vista do rápido desaparecimento das tradições campeiras com o progresso econômico e a internacionalização dos costumes. Nessa época apareceram Barbosa Lessa e Paixão Cortes como figuras de proa nesse processo, iniciando uma série de pesquisas antropológicas quando essa ciência mal era reconhecida no estado. Segundo Cortes"Era o auge do pan-americanismo. Para se ter uma idéia, se um camponês saísse de casa em direção à cidade, carregava uma muda de roupas para substituir as bombachas quando fosse chegar. Se não fizesse isso era visto com maus olhos. Era considerado um cidadão de segunda classe. O próprio chimarrão, na cidade, era consumido apenas dentro da residência e longe das janelas. Enquanto o modernismo estava na ordem do dia, um grupo de jovens secundaristas saía na busca de suas raízes. (…) O gaúcho sempre existiu como o tal centauro dos pampas, o monarca das coxilhas ligado a um fato épico, histórico e político, e não mais do que isso. Mas esta é uma figura poética que surgiu para se transformar em um símbolo. E símbolos são importantes para que se mantenha a identidade do povo. Só que esta imagem já existia. O que fizemos foi recuperá-la e dar-lhe uma outra dimensão. Até então, o aspecto social e recreativo era totalmente desconhecido. Era "Boi Barroso", "Prenda Minha" e estamos conversados. Encerrou-se o repertório musical e coreográfico do Rio Grande. Havia os registros do Cezimbra Jacques e do Simões Lopes Neto, tinha ali "O Balaio", por exemplo. Mas como se dança? Como se canta?".[45]
Essa busca, porém, estava em sua origem mais ligada a um desejo de reconstrução histórica do que de interpretação, e paradoxalmente iniciou no ambiente urbano. Em 24 de abril de 1948 aqueles folcloristas, junto com um grupo de jovens estudantes, fundaram Apresentação de dança gauchesca.
"não se tinha muita pretensão de revolucionar o mundo, embora nós não concordássemos com aquele tipo de civilização que nos era imposto de todas as formas (…) não pretendíamos escrever sobre o gaúcho ou sobre o galpão: desde o primeiro momento, encarnamos em nós mesmos a figura do gaúcho, vestindo e falando à moda galponeira, e nos sentíamos donos do mundo quando nos reuníamos, sábado à tarde, em torno do fogo-de-chão".[43]
Desde lá o movimento tradicionalista foi lentamente ganhado visibilidade e se constituindo num verdadeiro estilo de vida para muitas pessoas mesmo nos núcleos urbanos. Nos anos 60 apareceram artigos e palestras sobre o assunto, e também a figura de Teixeirinha, um fenômeno de popularidade. Em 1971 se realizou a primeira Califórnia da Canção Nativa, que se ramificou em centenas de outros festivais similares pelo estado, onde aspectos da música pop também foram assimilados. Esses festivais deram espaço para expressões politicamente engajadas que levaram a uma integração entre regionalismos campeiros de vários países do Cone Sul, cujas histórias tiveram muitos pontos de contato. Mas foi a partir da década de 1980 que o ritmo desse processo cresceu enormemente, a ponto de ganhar respaldo da cultura oficial, atrair simpatizantes de outras origens culturais além da campeira como os alemães e italianos, e inspirar a criação de centenas de CTGs, além das fronteiras estaduais, até no exterior. Em 1980 cerca de novecentos mil gaúchos (11,5% do total) moravam fora do Rio Grande do Sul, levando as tradições locais com eles. É certo também que divulgação tão maciça e muitas vezes acriteriosa e desinformada deu margem à formação de estereótipos mistificantes e hibridismos espúrios, que vêm sendo questionados tanto na pesquisa acadêmica como na cultura popular, muitas vezes até de forma humorística.[3][43]O gaúcho "típico", finalmente, não é a única imagem do gaúcho real contemporâneo. As outras inúmeras etnias e segmentos culturais que compuseram a sociedade gaúcha conseguiram em anos recentes apreciável nível de articulação para a conquista de seu espaço. Nas regiões italiana e alemã as festividades folclóricas são inúmeras, originando divisas, teses acadêmicas, filmografia e literatura ficcional, além de um sentimento de coesão social legítimo em função da autenticidade do testemunho histórico onde se baseiam essas interpretações modernas do passado. É verdade que as tradições perderam muito diante da sua transformação em produto à venda e da modernização da vida em geral, e o que hoje se consome como "tradição" muitas vezes é apenas um eco diluído e estilizado de uma realidade irremediavelmente perdida, mas esses movimentos têm conseguido se cristalizar em símbolos eficientes e cultivar expressões autênticas o bastante para assegurar a consolidação e preservação de uma memória social significativa e veraz, com o aval de inúmeros pesquisadores sérios e patrocínios oficiais. Além disso em muitos pontos do estado ainda se encontram manifestações vivas e espontâneas dos antigos costumes. A cultura urbana também criou traços característicos aparentes em seus neologismos, seus hábitos sociais diversificados e cosmopolitas, no acesso fácil à tecnologia de ponta e à informação, e no surgimento de um folclore próprio, já objeto de estudo acadêmico. E como eles os judeus vêm revisitando sua história, os polacos, os negros, e os outros grupos minoritários, levando à reescrita de largos trechos da historiografia oficial do Rio Grande do Sul e, no diálogo entre tais culturas distintas, a uma maior integração interna e à síntese de novas formas de expressão e arte, algumas de notável vigor e originalidade.[3][4][46][47][48]
Show da banda de rock alternativo Aristóteles de Ananias Jr.
Roda de Capoeira no Brique da Redenção.
Gaúcho desfilando na Semana Farroupilha.
Estátua de Sepé Tiaraju em São Luiz Gonzaga
Parada Livre LGBT em Porto Alegre.
Banda da Brigada Militar em desfile em Porto Alegre
Estátua de Iemanjá em Barra do Chuí
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